Chikki 101 – Sobre Assertividade
CHIKKI 101 – SOBRE ASSERTIVIDADE
O PRECONCEITO DA ASSERTIVIDADE NA ESFERA DIÁLOGICA – UMA REFLEXÃO AUTOETNOGRÁFICA SOBRE ASSERTIVIDADE
[Autoetnografia] [Conhecimento Situado] [Análise Social] [Aprendizagem e Vínculo] [Vulnerabilidade]
NOTA DE ESCLARECIMENTO
O texto não é sobre pessoas específicas, mas sobre mecanismos sociais que injustamente se infiltram na forma como nos relacionamos com os outros. Falo, inevitavelmente, a partir da minha própria experiência. No entanto, este texto é também para todas as pessoas que, independentemente do percurso ou identidade, se reconhecem no que aqui escrevo.
ESCLARECIMENTO DE TERMOS
a) Assertividade é a capacidade de expressar ideias, emoções e necessidades de modo claro e direto, mantendo o respeito por si e pelos outros: afirmar uma ideia.
(Alberti & Emmons, 1970; Lazarus, 1973; Speed, Goldstein & Goldfried, 2018).
b) Agressividade é qualquer comportamento ou intenção de causar dano físico, psicológico ou outro, caracteriza-se pela falta de controlo emocional e pela vontade de domínio ou destruição. Pode ser direta (ataques verbais ou físicos) ou indireta (manipulação, exclusão, humilhação).
(Anderson & Bushman, 2002; Björkqvist, 1994).
c) Preconceito da Assertividade é a tendência a interpretar a expressão clara e confiante de uma ideia como arrogância, agressividade ou ameaça. Funciona como mecanismo social de contenção simbólica, sobretudo dirigido a pessoas socializadas sob normas de feminilidade e docilidade.
É uma forma de sanção moral, social e emocional aplicada a quem fala com autoridade interna sem "pedir autorização".
(Chikki; 2025).
INTRODUÇÃO: CIGARROS, A DONA X. E A DIRETORA
Na quinta feira, 6 de Novembro de 2025, por volta das 11.15h, a diretora da escola ralhou comigo porque me apanhou a fumar cigarros na hora em que as minhas crianças estavam na atividade das bicicletas (eu, como professora titular, era suposto estar a acompanhar o monitor da atividade, fiz pausa para cigarros). A diretora foi lá "ralhar" comigo; a Dona X. assistiu.
Na semana seguinte, a 10 de novembro, por volta das 11.40h, a Dona X., confessou-me que ficou perturbada pela forma como a diretora falou comigo. Eu não levei isso "a mal" — até brinquei ao dizer: “fui apanhada a ser rebelde”.
Depois, a Dona X. disse:
— “Querida, tu estudaste, eu não. Mas sei.
Isto é assim:
Às vezes a gente tem de dar um apertão às pessoas, porque senão é como o meu marido. Bate uma vez; se eu não lhe der um apertão, bate mais. Às tantas já estou eu a levar com ele. Temos de dar um apertão às pessoas.”
Ou seja: a Dona X. achou que eu devia ter defendido melhor a minha posição quando a diretora "ralhou" comigo.
Na altura, notei que alguma coisa não estava bem, porque a diretora gritou (costuma ser direta mas não é normal gritar). Depois uma colega comentou comigo que a diretora estava a ter um dia frustrante porque estavam a faltar muitas professoras e eu: Ah! (fez tudo sentido).
Já tinha este ensaio fechado — mas decidi acrescentar este mesmo episódio como introdução.
Fez-me pensar sobre assertividade.
I. O PRECONCEITO DA ASSERTIVIDADE
Durante anos, fui mal interpretada (ainda sou). E, durante anos, estive a tentar perceber: PORQUÊ?
Ao longo da vida, o que eu mais procurei foi sossego. Ao longo da vida, criaram falsas narrativas sobre mim que não me deixaram ter sossego. Agora o sossego é interno. Compreendo que as narrativas que circulavam sobre mim eram distorcidas por estruturas sociais externas porque eu nunca me justifiquei.
Nem vou justificar — não preciso.
O que escrevo aqui é análise.
Partilho o que sei:
Mesmo entre pessoas que conhecem o meu trabalho, a minha perspetiva pedagógica e leem os meus artigos Chikki 101 sobre prática, análise social e educação, noto que, quando falo sobre o que estudei melhor ao longo destes anos — comportamento humano —, com assertividade, sou frequentemente sancionada socialmente.
II. QUEM TEM “AUTORIZAÇÃO PARA FALAR”?
Em muitos contextos, pessoas socializadas sob a norma de feminilidade e docilidade só conseguem “falar sem pedir autorização” quando chegam ao limite da frustração. Isto acontece porque, ao longo da vida, aprendem que a expressão direta do pensamento é frequentemente interpretada como ameaça à harmonia relacional. Sem espaço dialógico real — onde a palavra possa existir sem sanção social ou desconforto, — a fala é adiada até ao ponto de saturação emocional. Nestas situações, o discurso vem acompanhado de gritos ou descontrolo emocional: não por falta de razão, mas porque vem da frustração acumulada e da dor prolongada de não ser ouvida. A sociedade, lê esta expressão legítima de frustração como “instabilidade” e, com isso, reforça a narrativa que obriga à contenção discursiva que sustenta a anulação simbólica.
No meu caso, como será possível observar, eu não tenho “autorização para falar”– porque não a peço.
A ausência de deferência é suficiente para que o meu discurso seja interpretado como desvio comportamental. A calma e coragem discursivas são interpretadas, no círculo social, como uma traição da norma relacional.
III. MEDO DE MAGOAR AS MINHAS AMIGAS
Recentemente, quando estava em vias de acabar de escrever este ensaio, sonhei que a Y., a minha amiga, estava ao meu lado a mexer no candeeiro. Ao tentar mudar a lâmpada, magoou-se nos olhos — estavam vermelhos, com pequenas veias cor-de-rosa. Senti a dor dela — e mesmo magoada, senti que a Y. me protegia.
Acordei a pensar no medo que tenho de magoar as pessoas de quem gosto.
O sonho fez-me perceber que, muitas vezes, o simples ato de tentar arranjar a luz — tentar compreender ou nomear algo — pode magoar.
As minhas amigas — inteligentes e sensíveis — desde há uns meses, aconselham-me a “ser menos agressiva”, “mais cuidadosa a falar com as pessoas”, “ter atenção ao tom”.
Este gesto de preocupação, embora nasça de um lugar de afeto, gera em mim uma certa dissonância.
O problema não está na intenção delas, que é genuina e protetora, mas nas respostas emocionais que herdámos de uma socialização que nos ensinou a temer a assertividade. Quando falo de forma articulada e convicta sobre os assuntos que estudei, sou imediatamente lida dentro desse mesmo código: como um ataque. O desconforto que sentem vem do facto de o discurso não obedecer às regras emocionais do vínculo — regras aprendidas como sinónimo de empatia e afeto, mas que revelam submissão intelectual a estruturas de poder com as quais eu não me identifico.
IV. MEDO DE MAGOAR OS OUTROS
Há ainda outra camada: quando estamos em grupo, a minha postura analítica ao falar de certos temas, que não distingue entre contextos íntimos e sociais, coloca-as em situações de desconforto.
Ao dirigir-me com a mesma estrutura tanto a amigas minhas como a outras pessoas quebro o pacto de que, nos grupos sociais, a linguagem deve manter-se no registo da interação mais superficial.
Ao quebrar este pacto, exponho o que geralmente permanece implícito. O problema é que o espaço é socialmente percebido como “leve”, e o pensamento que trago é visto como inadequado — não porque seja agressivo, mas porque convoca temas para os quais as pessoas não têm disponibilidade para falar naquele contexto. Mesmo assim, noto que, em muitas dessas situações, são as próprias pessoas que, sentindo-se desconfortáveis, reagem de forma agressiva comigo, acusando-me de ser “agressiva”. É uma inversão comum: a assertividade é projetada como violência, quando, na verdade, o que perturba é:
(i) a presença do pensamento num espaço onde se esperava apenas interação mais superficial
(ii) o choque de o pensamento vir de uma voz de esquilo num corpo que deveria ser dócil e submisso.
V – UMA REFLEXÃO AUTOETNOGRÁFICA SOBRE ASSERTIVIDADE
V.I –ESTUDO DE CASO: A PRAIA COMO PAISAGEM ETNOGRÁFICA
Durante uma conversa de grupo, na praia — onde também estava o homem em questão —, decidi abordar um tema que tinha interesse em discutir socialmente: o facto de ter tido, aos 21 anos, uma relação sexual com um homem de 45.
A leitura de Behave (Sapolsky, 2017) levou-me a refletir sobre a forma como o nosso sistema jurídico define a idade adulta a partir dos 18 anos, ignorando que o desenvolvimento do córtex pré-frontal — responsável pelo controlo inibitório e pela avaliação de consequências — se prolonga, em média, até aos 25.
Esta reflexão levou-me a querer discutir até que ponto a maturidade biológica deveria ter implicações na definição legal e moral de consentimento.
Fundamentei a minha posição em factos sobre as fases do desenvolvimento humano e poder. Apoiada em autores como Erikson e Sapolsky, defendi que a diferença de maturação emocional e neurobiológica confere a adultos mais velhos, numa fase diferente do desenvolvimento identitário, maior responsabilidade e poder de negociação, o que torna a relação estruturalmente desigual, mesmo quando formalmente consentida. Questionei se o acontecimento seria, neste caso, uma forma de predação sistémica — que resulta de uma estrutura cultural que normaliza relações desiguais sem ter atenção às fases de desenvolvimento psicossocial, psicossexual e identitário.
Expliquei ao homem e ao grupo que falar disso era um gesto pedagógico para compreender o que esta situação nos diz sobre o sistema social e jurídico que a torna possível.
No final do meu argumento, o homem gritou comigo e chamou-me “maluca”.
O grupo permaneceu em silêncio em relação ao assunto.
V.II – FALÁCIA AD HOMINEM
Muito provavelmente, o homem interpretou o que eu disse como uma ameaça à sua autoimagem moral. Identificou-se, e a única coisa que me podia acusar era de ser “maluca”. O homem ao chamar-me "maluca", depois da exposição dos argumentos, recorreu à descredibilização pessoal para neutralizar o desconforto que o conteúdo lhe causava. A falácia ad hominem funcionou como uma ferramenta de regulação social. Mudou o debate racional para o campo do controlo simbólico.
Os meus argumentos eram tão consistentes que para justificar o desconforto, só me podiam descredibilizar por juízos pessoais e contextuais. Digo isto porque as minhas amigas, depois, também me acusaram de “não ter escolhido a melhor altura”. — Era assim tão má altura para falar sobre fases de desenvolvimento identitário na praia?
V.III – TONE POLICING E O MONSTRO RETÓRICO
Mais tarde, noutras conversas, as minhas amigas admitiram-me que o problema afinal era o "tom" que eu não devia: "ter dito assim".
Ao contrário do que a diretora da escola fez quando me apanhou a fumar cigarros: eu aqui não gritei com ninguém– mas fui assertiva. Mesmo não levantando a voz, fui acusada de agressividade.
O argumento foi longo, e estou certa de que, se o meu tom tivesse sido realmente “agressivo”, como fui acusada, ninguém (i) me teria deixado expor o raciocínio durante tanto tempo, (ii) nem me teriam ouvido com tanta atenção e interesse. Falei com calma e assertividade, sei bem as palavras que disse. São temas que estudo, que me interessam e sobre os quais gosto de pensar e conversar.
Estes comentários são um exemplo do fenómeno que Ahmed descreve como tone policing — o policiamento afetivo através do qual o desconforto coletivo é deslocado do conteúdo do que é dito para a forma como é dito.
Na filosofia, trata-se daquilo que nomeei em cima — falácia ad hominem. Em vez de discutir o argumento, ataca-se a pessoa que o profere.
As minhas amigas, sem intenção consciente, reproduziram um pequeno silênciamento relacional para restabelecer o equilíbrio emocional do grupo à custa da minha presença discursiva.
Elas não queriam saber do meu argumento, percebo agora que, o problema foi eu ter falado naquele momento, com tanta assertividade— foi o facto de a Chikki, a amiga fofa, ser ao mesmo tempo, um monstro retórico implacável.
Este policiamento emocional feminino é um mecanismo social subtil que perpetua a anulação dialógica das pessoas de quem se espera docilidade. A minha assertividade é recodificada como ameaça emocional.
V.IV– A IRONIA E A ANULAÇÃO DO ESQUILO
É irónico: o homem é que gritou comigo e eu é que fui considerada agressiva.
Ainda mais irónico: o homem é que gritou comigo e o meu tom (de esquilo assertivo) é que foi policiado.
A partir deste momento comecei a ser acusada de ser “agressiva” ou “violenta”, quando falava em certos contextos, eu calava-me para não alimentar mais esta narrativa sobre mim. Estas acusações vinham das mesmas amigas do tone policing e, por vezes, de outras mulheres que apenas tinham ouvido a história. Penso que este policiamento intensivo do meu "tom" (de esquilo)— que, aos poucos, foi anulando a minha voz na esfera dialógica — resultou do medo intrínseco de que eu pudesse voltar a perturbar a harmonia relacional. As pessoas, socializadas sob expetativas de feminilidade, estão habituadas a fazer a gestão emocional do grupo, temiam que a minha assertividade, ao manifestar-se, pudesse afetar esse equilíbrio relacional. Era mais fácil chamar-me "intensa" do que ter o trabalho de curar o dano símbolico e moral da minha palavra.
A auto-ironia persegue-me: eu, a pessoa que estuda o comportamento humano, e observa padrões e estruturas de violência sistêmica e relacional há anos, fui acusada de não saber estar relacionalmente. Sabia exatamente o que estava a fazer. Ainda assim, o grupo escolheu propagar a narrativa de que eu era “intensa” para justificar o seu silêncio.
Os mecanismos de silênciamento relacional aconteceram em três fases:
(i) Eu tinha plena consciência da dinâmica relacional em que estava inserida; reconhecia os padrões de silenciamento e sabia nomear o que estava a acontecer.
(ii) As amigas, não tendo intervindo nem prestado apoio naquele momento, passaram a referir-se a mim como “intensa” para justificar a própria ausência de ação. Esse rótulo surgiu também devido ao preconceito interno que tinham em relação à minha assertividade discursiva. Importa esclarecer: eu nunca lhes pedi, nem exigi, que interviessem a meu favor. A exigência era moral, mas foi uma exigência que colocaram sobre si próprias. O que eu queria — e sempre deixei claro — era apenas um espaço de diálogo em que a minha posição não fosse distorcida nem silenciada na esfera diálogica.
(iii) A repetição deste rótulo "intensa" funcionou como forma de me reduzir simbolicamente no grupo, limitando a minha possibilidade de enunciar factualmente a minha posição.
Ao controlar a minha narrativa, controlavam a sua própria auto-imagem moral.
A minha percepção de realidade, neste caso, não foi negada, foi desvalorizada ao ser conotada como "agressiva" e "intensa".
Isto para dizer: —Malta, podemos chegar ao ponto de não nos anularmos na esfera dialógica, apenas para tentar gerir o bem estar de um grupo emocionalmente e simbolicamente? — Um trabalho que, além de não ser remunerado, foi socializado como função associada à feminilidade, mas ninguém concordou.
Eu já me demiti.
VI – O PARADOXO DA ASSERTIVIDADE
Irónico: para revelar o mecanismo que confunde assertividade com agressividade, tenho de o pôr em prática — e, ao fazê-lo, ativo a mesma resistência que procuro compreender.
O paradoxo é o seguinte:
Sou assertiva de forma a que as pessoas percebam que assertividade não é agressividade. Ao mesmo tempo que tento desconstruir esta ideia, sou julgada por ser “agressiva” — precisamente aquilo que procuro desconstruir.
CONCLUSÃO: SERÁ QUE POSSO FAZER A MINHA CENA?
A análise do preconceito da assertividade mostra que o problema, neste caso, não está no modo como alguém fala, mas nas estruturas sociais e epistemológicas que determinam quem pode falar e em que termos o pode fazer.
O que está em causa não é o tom, mas a legitimidade. Quando uma pessoa condicionada a ser dócil fala com estrutura e convicção, a sociedade tende a reagir não ao argumento, mas à quebra da expectativa de docilidade.
O discurso assertivo torna-se desconfortável porque expõe a contradição moral entre o "ideal de igualdade" e a prática social de castração discursiva.
Percebo: dói à sociedade o facto de eu, condicionada a ser dócil e submissa, falar com autoridade interna e estrutura — e, ainda assim, ter um tom de esquilo com problemas de dicção e ser gira— é desconcertante e inspirador— admitam.
Ao tentarem limitar a minha voz, estão a limitar a possibilidade da sua própria.
Pergunto:
Como é que é suposto desconstruir o preconceito da assertividade se, ao fazê-lo, acabo por lesar moralmente quem quero libertar dele?
Até que ponto o problema do meu discurso não é a “agressividade”, mas o preconceito da assertividade?
E o que diz isto de nós, enquanto sociedade, sobre a forma como continuamos a definir quem tem direito a inscrever e nomear realidade?
Xoxo,
Chikki.
NOTA METODOLÓGICA
Este artigo ensaístico de natureza autoetnográfica utiliza dados provenientes de registos pessoais, diários, notas e métricas digitais. A escrita é situada, articulando experiência e análise crítica. (Consultar: Novo Mapa)
ANEXO — ESCLARECIMENTO DE TERMOS E CONCEITOS
Autoridade Discursiva
Legitimidade reconhecida socialmente a uma pessoa para interpretar e nomear a realidade.
Quando exercida por alguém fora da norma de autoridade dominante — como pessoas jovens socializadas a ser dóceis — tende a ser confundida com agressividade.
(Foucault, 1971)
Auto-Imagem Moral
Conjunto de crenças que uma pessoa mantém sobre o seu próprio valor moral e competências relacionais.
Quando um argumento expõe contradições entre esta auto-imagem e a conduta real, a reação é de resistência, desconforto ou hostilidade.
No episódio em cima, as “amigas da praia” e o homem deslocaram o debate do conteúdo para o tom, de forma a não confrontar o seu próprio desconforto moral e cognitivo.
(Gausel & Leach, 2011)
Esfera Dialógica
Espaço onde o pensamento é partilhado.
Idealmente é um lugar de diálogo real e humano, mas muitas vezes é regulado por dinâmicas de poder e hierarquias sociais.
É neste espaço que o preconceito da assertividade se torna mais evidente, porque é aqui que se define quem pode falar e em que “tom” o pode fazer.
(Ahmed, 2017; Arendt, 1968)
Falácia Ad Hominem
Estratégia retórica clássica, associada à sofística, que consiste em atacar a pessoa em vez do argumento.
Desvia o debate do campo racional para a descredibilização pessoal, funciona como defesa do ego moral quando o conteúdo activa uma ameaça simbólica.
(Walton, 1998; Tindale, 2007)
Gaslighting Relacional
Mecanismo subtil de manipulação emocional que leva alguém o outro a duvidar da sua própria perceção ou interpretação dos factos.
Acontece quando uma leitura racional ou afectiva é reformulada como exagero, instabilidade emocional, serve para manter o poder de definir realidade sob o controlo de quem exerce este tipo de manipulação.
(Sweet, 2019; Sarkis, 2018)
Paternalismo Simbólico
Forma subtil de controlo afetivo entregue como preocupação.
Sob a aparência de protecção, coloca a outra pessoa numa posição de menoridade simbólica e invalida a sua autonomia e autoridade discursiva. O afeto é utilizado como instrumento de regulação moral e emocional.
(Ahmed, 2017)
Socialização de Género e Docilidade Relacional
Processo através do qual pessoas socializadas enquanto femininas aprendem a associar contenção emocional e moral e silêncio à aceitação social. Este processo penaliza a assertividade. O resultado é a internalização da censura emocional.
(Butler, 1990)
Tone Policing (Policiamento de Tom)
Estratégia de regulação afectiva que desloca a atenção do conteúdo para a forma como a mensagem é proferida.
Quando o argumento provoca desconforto, critica-se o tom — não a ideia.
Este mecanismo restabelece o equilíbrio emocional do grupo à custa do silenciamento de quem apresenta o pensamento.
(Ahmed, 2017)
Violência Relacional Subtil
Forma de violência não física que opera através de comportamentos discretos ou socialmente normalizados: silêncio estratégico, retração afectiva, sarcasmo, rótulos depreciativos (“intensa”, “agressiva”, “instável”, “confusa”, “deprimida”, “maluca”), formas de invalidação ou narrativas que fragilizam a autoridade discursiva da pessoa visada.
As pessoas socializadas sob normas de feminilidade raramente puderam, ao longo da história, assumir voz pública; por isso, aprenderam a utilizar mecanismos de influência e manipulação mais subtis, como o paternalismo simbólico disfarçado de “preocupação”. Neste caso podemos dizer: maternalismo simbólico.
(Björkqvist, 1994; Crick & Grotpeter, 1995; Jack & Ali, 2010)
REFERÊNCIAS
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Alberti, R. E., & Emmons, M. L. (1970). Your perfect right: A guide to assertive behavior. Impact.
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Arendt, H. (1968). Men in dark times. Harcourt.
Bakhtin, M. (1981). The dialogic imagination: Four essays. University of Texas Press.
Björkqvist, K. (1994). Sex differences in physical, verbal, and indirect aggression: A review of recent research. Sex Roles, 30, 177–188.
Butler, J. (1990). Gender trouble: Feminism and the subversion of identity. Routledge.
Chikki. (2025). Preconceito da Assertividade [Manuscrito].
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Foucault, M. (1971). L’ordre du discours. Gallimard.
Gausel, N., & Leach, C. W. (2011). Concern for self-image and social image in moral failures. European Journal of Social Psychology, 41(4), 468–478.
Jack, D. C., & Ali, A. (2010). Silencing the self across cultures: Depression and gender in the social world. Oxford University Press.
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Sarkis, S. (2018). Gaslighting: Recognize manipulative and emotionally abusive people—and break free. Da Capo Press.
Sapolsky, R. M. (2017). Behave: The biology of humans at our best and worst. Penguin Press.
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Tindale, C. W. (2007). Fallacies and argument appraisal. Cambridge University Press.
Walton, D. (1998). Ad hominem arguments. University of Alabama Press.