Chikki 101: Sobre Pensamento, Disciplinas e Espírito Crítico

Nota Epistemológica: Pensamento, Disciplinas e Espírito Crítico

1. O pensamento humano não é compartimentalizado — o currículo é.

A divisão do conhecimento em disciplinas autónomas é uma construção académica concebida para estruturar e operacionalizar o ensino e a investigação. Contudo, essa organização não corresponde ao modo como o pensamento humano efectivamente funciona. A cognição é relacional, interdependente e dinâmica.

A estrutura sináptica do cérebro corrobora a ideia de compartimentalização: as dendrites estendem-se em múltiplas direcções e estabelecem conexões entre zonas diversas, permitindo a activação de diferentes circuitos em simultâneo. O pensamento emerge, assim, de uma rede de interacções, não de "compartimentos" isolados.

No texto Sobre Ser, afirmei que “ser Uno é negar a fragmentação por categorias”. Essa afirmação aplica-se nçaosó a categorizarão social mas também à organização do saber: a fragmentação disciplinar do pensamento, tal como a categorização do sujeito, é um acto de redução operatória — uma simplificação da complexidade real da experiência e do conhecimento.

Se o pensamento foi dividido em disciplinas, então cabe-nos instrumentalizar todas essas disciplinas como meios operatórios, apropriando-nos criticamente de cada uma para produzir conhecimento situado. Pensar não é respeitar fronteiras institucionais — é intervir sobre os sistemas simbólicos disponíveis, compondo formas novas de inteligibilidade. É por isso que este ensaio articula neurobiologia, pedagogia crítica, filosofia e psicologia social como campos de acção cognitiva, e não como blocos fechados.

2. Como é possível falar em espírito crítico, se o termo “espírito” remete, historicamente, para o pensamento religioso?

A pergunta é legítima, e a minha resposta até a data é a seguinte: o termo espírito, na expressão espírito crítico, não é aqui usado com qualquer conotação religiosa, transcendente ou metafísica. O seu uso corresponde a uma herança terminológica da filosofia europeia, onde espírito designa a faculdade humana de mediação, interpretação e auto-reflexão — não uma entidade separada do corpo, mas uma função cognitiva que demora mais tempo a desenvolver-se.

Neurobiologicamente, esta função corresponde às operações executivas do córtex pré-frontal, em particular as capacidades de controlo inibitório, antecipação de consequências, avaliação moral e reconfiguração de padrões interpretativos. O que se designa por espírito crítico é, portanto, uma função activa e situada que permite ao sujeito suspender automatismos, examinar pressupostos e reorganizar o campo de percepção e acção.

Manter o termo espírito é reconhecer a necessidade de nomear essa operação transversal entre o neurobiológico, o simbólico e o relacional. Pensar criticamente é, neste sentido, uma acção concreta de reinscrição — uma intervenção sobre os circuitos, os signos e os juízos que configuram a experiência humana e a realidade (que parte da assimilação de estímulos através dos sentidos- ver o ensaio sobre pensamento gnosiológico.) 

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