Chikki 101- Sobre Tempo
I. O tempo e a inscrição
1. A inscrição condensa existência numa superfície.
2. Estas inscrições que deixo são imagens profundas do espírito do tempo.
3. O tempo não existe como entidade independente, mas como construção humana que organiza a experiência.
4. As cicatrizes que deixo na folha inscrevem a radix dessa mesma construção.
5. Inscrevem o tempo que a existência habitou essa superfície.
II. O tempo enquanto condição ontológica
1. A existência só se dá no tempo.
2. O tempo não é chronos — sucessão empírica — mas kairós: estrutura de possibilidade do existir.
3. Ser e não-ser distinguem-se apenas na abertura temporal.
4. A finitude constitui a forma da existência.
5. O tempo organiza o ser até ao limite da morte.
III. O tempo e a consciência
1. A consciência só é pensável em temporalidade.
2. Opera sempre na distância do que deixou de ser.
3. O passado é retenção de um ausente.
4. O futuro é antecipação de um inexistente.
5. A consciência é reflexividade temporal.
IV. O tempo e a senilidade
1. A senilidade rompe a continuidade temporal da consciência.
2. O passado fragmenta-se em lacunas.
3. O futuro perde a sua função projetiva.
4. A ordem da sucessão torna-se incoerente.
5. A senilidade revela a dependência da consciência da estrutura temporal na construção do vivo.
V. O tempo e a dignidade da morte
1. A morte é o limite absoluto do tempo.
2. Esse limite confere densidade à existência.
3. Sem a morte não haveria inscrição nem memória.
4. Negar a morte é negar o valor do tempo.
5. A morte confirma que o tempo não nos pertence.
Conclusio: Tempo como Vulnerabilidade
I. O tempo não é chronos, mas kairós: não sucessão empírica, mas condição de possibilidade do existir.
II. A consciência só se dá na temporalidade: recordar e antecipar são formas da sua reflexividade.
III. A inscrição manifesta o tempo como rasto e prova de presença.
IV. A finitude confere densidade à vida, sendo a morte o seu limite constitutivo.
V. A senilidade revela a vulnerabilidade do existir: ao perder continuidade, a consciência mostra depender do corpo vivo.
VI. A morte confere dignidade ao tempo, pois só no limite este adquire sentido.
VII. A temporalidade cria a vulnerabilidade humana: é por sermos temporais que estamos expostos à perda e ao fim.
Reflexão Post-scriptum: Entre Chronos e Kairós
A tradição distingue entre chronos e kairós. O primeiro refere-se ao tempo mensurável, sucessão quantitativa de instantes, dimensão empírica.
O segundo designa o tempo vivo, qualitativo em que o ser se reconhece como finito e situado. A ontologia não trata o tempo físico, mas o tempo enquanto condição: não no fluxo cronológico, mas na possibilidade de presença e finitude.
É do kairós– tempo da possibilidade –que se funda a vulnerabilidade, pois só um ser temporal pode perder-se, antecipar o fim e inscrever a sua própria existência.