Chikki 101 — Sobre Desenho

CHIKKI 101- SOBRE DESENHO

UMA REFLEXÃO SOBRE DESENHO COMO PRÁTICA ONTOLÓGICA

[Filosofia] [Filosofia da Ação] [Prática Artística] [Ontologia] [Pedagogia Crítica] 

I. DESENHO COMO AÇÃO

  1. A nossa ação no mundo é condicionada.

  2. No desenho, os constrangimentos contextuais não se aplicam ou são menores.
     2.1. O desenho acontece de dentro para fora, como consequência de estrutura interna.
     2.2. A inscrição acontece simultaneamente no acto de desenhar e não previamente ou posteriormente.

  3. A única premissa para haver uma inscrição é: ser com capacidade de inscrever sobre uma superfície.

  4. A ação–desenho–parte da estrutura interna — margem interior. O constrangimento é menor quando o ser age em consonância consigo — na verdade entre o que se é e o que se faz.

  5. Desenho: ação onde o impacto das estruturas externas é menor — há menos constrangimentos imediatos e, consequentemente, menos condicionamento estrutural.
    Nota: Condicionamento – configuração do sujeito através de estruturas externas que o limitam. Constrangimento – fator que limita a potência da ação no momento de inscrição.

II. DESENHAR É PENSAR

  1. Desenho: inscrição numa superfície.

  2. Quando a estrutura interna — pensamento — se manifesta, inscreve-se.

  3. O pensamento é desenho. Na minha estrutura gnosiológica aplicada à prática:
     3.1. Porque desenho é ação — o último estágio do pensamento é ação.
     3.2. Desenho é pensamento.

III. INCRIÇÃO COMO MATERIALIZAÇÃO DO TEMPO

  1. A inscrição é uma ferida sobre a superfície.

  2. É através dela que o pensamento adquire realidade.

  3. A superfície guarda a cicatriz — testemunho da inscrição.

  4. Cada superfície inscrita é cicatriz: prova ou vestígio de que um ser humano pensou.

IV. DESENHO ENQUANTO CONDENSAÇÃO ONTOLÓGICA

  1. O tempo que passo a desenhar fica fixo na superfície.

  2. Cada desenho inscreve o tempo.

  3. É a condensação ontológica de uma duração existencial.

  4. A minha existência, naquele momento, permanece naquela superfície como inscrição.

V. DESENHO COMO REALITY SHOW DO PENSAMENTO

  1. O que escrevo aqui é desenho.

  2. Inscrevo pensamento articulado através de um médium discursivo: a escrita.

  3. CHIKKI 101: inscrição enquanto processo visível de pensamento — um reality show onde se pode ir vendo o que penso.
     3.1. Vou inscrevendo esta superfície acrescentando formulações.
     3.2. A mutação do pensamento é visível durante o seu processo de inscrição.
     3.3. Transparência da inscrição.

VI. IINCRIÇÃO NA REALIDADE

  1. Desenho é inscrever uma superfície.
     1.1. Essa superfície pode ser a realidade.
     1.2. Desenho: inscrição na realidade.

  2. Chikki Drips são inscrições na realidade.
     2.1. O pensamento (desenho) materializa-se, inscreve o têxtil, que inscreve o espaço público.
     2.2. Ao usar essa inscrição, ela torna-se visível em cafés, metro, supermercados — como prática de inscrição diária na realidade.

  3. Fazer songs no Ableton — é inscrição sonora.
     3.1. Não é preciso materializar o pensamento para o inscrever numa superfície.
     3.2. Tanto a inscrição como a superfície podem ser invisíveis.
     3.3. No caso das songs, a inscrição pode ser reproduzida várias vezes.
     3.4. Quando produzo no Ableton, desenho no Vital a onda de som como a quero ouvir.
     3.5. Apesar de ter uma representação visual do som enquanto desenho, a inscrição verdadeira é invisível.

  4. A prática docente é desenho — inscrevo pensamento no outro.
     4.1. Desenhar é inscrever uma superfície que pode ser a realidade.
     4.2. Ao dar aulas, inscrevo pensamento na realidade do outro — diretamente. E na realidade, de forma indireta, através do pensamento que inscrevi no outro.
     4.3. Esta inscrição é invisível a curto prazo, mas opera como presença latente na estrutura do outro. A prática educativa é uma superfície de inscrição — logo, é desenho.

VII. DESENHO COMO MATRIZ

  1. Nada do que faço é por necessidade de expressão.

  2. A prática não se organiza em torno de um médium, mas por uma matriz: o desenho.

  3. A organização discursiva é afirmativa porque resulta de um percurso de prática.

  4. Este texto inscreve-se no campo da filosofia da ação, da ontologia e da dissertação não académica. Sem mediação institucional. O trabalho insere-se numa prática dentro de um campo expandido do Desenho.

  5. As formulações resultam de uma prática autoetnográfica com base fenomenológica — análise direta da experiência em contexto de prática. Nenhuma formulação substitui a experiência de inteligir um Chikki Drip, um Puffi ou o Desenho sobre papel.

  6. O que escrevo aqui é desenho. CHIKKI 101 — pensamento como prática em que uso a escrita como médium.

  7. Desenho é matriz e consequência do meu processo de pensamento gnosiológico — logo, prática ontológica situada.

REFERÊNCIAS

Arendt, H. (1958). The Human Condition. University of Chicago Press.
(Tradução portuguesa: Arendt, H. (2001). A condição humana. Relógio D’Água.)

Arendt, H. (1968). Between Past and Future: Eight Exercises in Political Thought. Penguin Books.

Badiou, A. (1988). L’être et l’événement. Éditions du Seuil.
(Tradução portuguesa: Badiou, A. (1996). O ser e o acontecimento. Relógio D’Água.)

Eisner, E. W. (2002). The Arts and the Creation of Mind. Yale University Press.
(Tradução portuguesa: Eisner, E. W. (2008). O que a educação pode aprender das artes sobre o ensino. Artmed.)

Ingold, T. (2013). Making: Anthropology, Archaeology, Art and Architecture. Routledge.
(Tradução portuguesa: Ingold, T. (2018). Fazer: Antropologia, arqueologia, arte e arquitetura. Ubu Editora.)

Merleau-Ponty, M. (1945). Phénoménologie de la perception. Gallimard.
(Tradução portuguesa: Merleau-Ponty, M. (1999). Fenomenologia da percepção. Martins Fontes.)

Nancy, J.-L. (1993). Le sens du monde. Éditions Galilée.
(Tradução portuguesa: Nancy, J.-L. (1997). O sentido do mundo. Vega.)

Sennett, R. (2008). The Craftsman. Yale University Press.
(Tradução portuguesa: Sennett, R. (2012). O artífice. Record.)

Papacharissi, Z. (2015). Affective Publics: Sentiment, Technology, and Politics. Oxford University Press.

Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra.

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